Vinho e saúde: é possível equilibrar tradição e bem-estar?
Com o avanço das bebidas sem álcool, o vinho enfrenta desafios para se manter atual e desejado
Em seus mais de 8 mil anos de história, o vinho nunca foi tão questionado sobre os seus benefícios. Se na Grécia antiga, a bebida era considerada uma dádiva dos deuses ou se os soldados romanos sabiam que era melhor beber vinho e não água no campo de batalha, agora a pergunta é: o vinho é saudável ou prejudicial à saúde?
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Os argumentos em defesa do vinho
Estudos – e discursos fervorosos – não faltam em defesa destas duas teses tão antagônicas. Mas, até agora, a percepção é que a indústria do vinho não tem conseguido responder à altura, mesmo tendo vários argumentos a seu favor. Um dos mais fortes é a associação da bebida à dieta mediterrânea, reconhecida por sua eficácia na redução de doenças cardíacas, graças a uma rotina alimentar que inclui leguminosas, vegetais, peixes, azeite e, claro, vinho. De tão relevante, essa dieta foi declarada, em 2010, patrimônio cultural imaterial da humanidade pela Unesco.
Outro argumento seria o apelo para o consumo moderado – e aqui há estudos recentes que mostram que beber uma ou duas taças de vinho pode ser até melhor do que o consumo zero para as doenças cardiovasculares, como o relatório da Academia Nacional de Ciências, Engenharia e Medicina dos Estados Unidos. O relatório confirma que bebedores moderados apresentam menor mortalidade por todas as causas do que os que não bebem. Ou seja: ingerir uma pequena quantidade de vinho é melhor para a saúde do que não beber nada. E aqui uma tacinha de vinho às refeições deveria ser a recomendação da indústria em suas campanhas junto ao consumidor.
Ou ainda que, entre as bebidas alcoólicas, o vinho é aquele que traz menores gastos para a saúde pública. Com seu menor teor alcoólico, em geral entre 12% e 14.5%, em contraste com os mais de 40% dos destilados, a bebida de Baco não tem uma ligação tão direta com o alcoolismo, como a cachaça, o uísque ou a vodca. Mas aqui há uma cilada para o vinho, como aponta Felicity Carter, uma estudiosa do assunto, com uma série de artigos publicados na Meininger’s International. A especialista destaca que as pesquisas analisam o consumo de álcool em geral, não determinando exatamente de que bebida se trata – e esta é apenas uma das grandes dificuldades do estudo sobre o consumo de bebidas alcoólicas.
OMS e a virada global contra o álcool
Mas o fato é que, mesmo com estes estudos, a balança parece tender para o lado dos contrários ao consumo, mesmo moderado, do álcool. Principalmente desde 2023, quando a Organização Mundial da Saúde declarou que não há nível seguro para o consumo de álcool. Na época, o órgão se baseou no estudo “Carga Global de Doenças, Lesões e Fatores de Risco (GBD)”, publicado na revista médica Lancet e que concluía que os danos causados pelo álcool eram maiores do que os estimados anteriormente. Realizada entre 1990 e 2016, a pesquisa abrangeu 195 países e alertava que mesmo que o álcool tivesse pequeno efeito positivo sobre as doenças cardíacas, isso não importava, devido às associações do álcool com o câncer.
Mesmo questionado por outros estudos que mostravam que, dependendo do risco cardiovascular de cada população, pode haver um nível ideal de consumo de álcool, a OMS não mudou de posição e a resposta da indústria de Baco ao avanço das medidas contrárias ao álcool parecem pífias. Um exemplo é a baixa repercussão de campanhas em torno do Wine in Moderation ao mesmo tempo em que as mobilizações para o corte do consumo de álcool fazem sucesso. Vale lembrar a enorme repercussão, neste início de 2025, do Dry January, ao contrário de anos anteriores. O movimento nasceu na Inglaterra em 2013 quando a britânica Emily Robinson decidiu ficar um mês sem beber para se preparar para uma maratona, e segue todos os janeiros, crescendo em número de adeptos e reportagens na mídia sobre os seus benefícios.
O bordão “beba com moderação” parece não estar conseguindo se contrapor a redução do consumo de álcool, como mostra pesquisa do instituto Datafolha, publicada neste início de maio. O primeiro dado da pesquisa é que apenas metade da população brasileira com 18 anos ou mais afirma consumir bebidas alcóolicas – a porcentagem é de 51% para os consumidores e 49% para os que não bebem. No universo de consumidores, 53% reduziram o seu consumo de bebida alcoólica no último ano, enquanto 12% contam que estão consumindo mais e 35% informam que não houve mudança.
“A indústria do vinho é muito fragmentada e tem muito menos recursos do que a dos destilados e das cervejas para estas campanhas”, aponta Paulo Brammer, diretor da importadora Berkmann. Por ter tantos players – na dúvida, conte a quantidade de rótulos diferentes numa gôndola de supermercado – é mais difícil para o setor promover ações coletivas e de impacto como deveriam ser a resposta aqui. No caso, campanhas que não signifiquem bater de frente em seus opositores, mas propor parcerias e indicar que a moderação pode ser o caminho para o consumo do vinho. “Estamos formatando ações nesta linha”, adianta Brammer, sem dar, ainda, maiores detalhes.
Vinhos “nolo” - uma nova aposta
Apostar nas versões sem álcool é um caminho e, aqui, a cerveja tem se mostrado muito mais assertiva, como aponta Karene Vilela, que também acompanha este mercado com lupa. O sucesso da Heineken 0.0, hoje a marca mais consumida nesta categoria, indica uma tendência, na qual foram investidos muito dinheiro e tempo em testes de receitas de cevada. Pesquisa recente da NielsenIQ, mostra que 9,2% dos domicílios brasileiros consumiram o segmento sem álcool, comparado aos 7,8% do ano anterior (2022). Isso significa 1,25 milhão de hectolitros de volume de vendas e R$ 2 bilhões no valor de vendas. Um faturamento nada desprezível para um produto relativamente recente no mercado. No Brasil, a primeira cerveja sem álcool, a Kronenbier, foi lançada em 1991, e a Heineken 0.0 chegou por aqui em 2020 (ela foi inicialmente lançada na Holanda em 2017).
Vinhos sem álcool da marca Freixenet, que além de espumantes inclui vinhos tranquilos. (foto: site Freixenet)
Ao mesmo tempo, o vinho sem ou com pouco teor alcóolico ainda dá os seus primeiros passos, mas já tem um termo para defini-lo no mercado inglês: “nolo”, na junção de no (não) com low (baixo) alcohol, como conta Karene Vilela. Um exemplo foi a procura por esta categoria na primeira edição da Vinexpo America, organizada pela Vinexposium, empresa gigante nos eventos franceses de vinho. No evento, realizado em Miami, com mais de 200 expositores e focada para negócios para os mercados norte-americano e da América Latina, o interesse pelo vinho sem álcool era visível.
Presente na Vinexpo, o português Sérgio Marques, diretor do grupo Bacalhôa, diz que a ideia é entender a proposta de cada produtor e como estes vinhos são elaborados. “Estamos desenvolvendo o nosso vinho sem álcool e devemos colocá-lo no mercado em breve”, conta Marques. Na feira, a maioria dos “nolo” era elaborado com as variedades brancas sauvignon blanc e moscatel, já indicando uma tendência de variedades mais aromáticas. Aqui no Brasil, a Freixenet é uma das mais ativas com os seus espumantes desalcolizados, e o mercado aguarda a chegada da linha Natureo, da espanhola Família Torres.
Casillero del DIablo Belight, apenas 69 calorias por porção. (foto: divulgação)
Soma-se aos vinhos pouco alcoólicos as vantagens de serem bebidas com baixas calorias. E isso vem apontado para novos consumidores. “Nos surpreendemos com a força das nutricionistas em indicar o Belight”, conta Pietro Capuzzi, o principal executivo da VCT, a divisão brasileira da chilena Concha y Toro. Dentro da linha Casillero del Diablo, o recém-lançado Belight se destaca por ter menor teor alcoólico (ao redor de 8,5%) e também com menos calorias (conforme a variedade são entre 52 a 58 calorias por taça, um terço de um vinho tradicional).
Ele foi lançado para atrair as novas gerações de consumidores, que não querem ingerir tanto álcool, mas entrou com força naqueles consumidores que se não estão preocupados com a saúde, ao menos focam nas questões estéticas. “A cultura do brasileiro é muito ligada ao corpo, importando mais a estética do que saber se a bebida faz bem ou mal para a saúde”, acrescenta Karene Vilela.
Mas será que este caminho é suficiente para reverter a queda de consumo? Dados divulgados pela inglesa IWSR mostram que talvez não. Em seu mais recente relatório, que analisou o desempenho de bebidas alcoólicas em mais de 160 países, mostra que o vinho é a única categoria que deve apresentar queda em volume até 2034, com base em análise dos 31 principais mercados que respondem por mais de 80% do consumo. A redução prevista é de 1%, enquanto deve crescer o volume para os destilados e cervejas premium. E a redução só não deve ser maior porque há uma aposta nos países emergentes, como Índia, Brasil, México e África do Sul para reverter esta tendência.
Assim, a aposta do vinho pode vir com uma grande pesquisa, liderada por Miguel Martinez-Gonzalez, professor de Saúde Pública na Universidade de Navarra e professor adjunto de nutrição na Universidade de Harvard. Com diversos estudos que apontam os benefícios do vinho para a saúde, e crítico dos caminhos traçados pela OMS, Gonzalez realiza desde dezembro de 2023 um ensaio clínico randomizado sobre o impacto do vinho na saúde. É uma pesquisa longa, que deve apresentar os seus resultados apenas em dez anos.
Mas que podem ser o argumento que a indústria do vinho precisa para mostrar que os antigos gregos e romanos estavam certos.
Para saber mais:
1. Academia Nacional de Ciências, Engenharia e Medicina dos Estados Unidos (NASEM). Relatório aponta que o consumo moderado de álcool está associado à redução do risco de mortalidade por todas as causas. CISA
2. Carter, Felicity. Is wine healthy or unhealthy? An answer is finally coming. Meininger’s International, 2025.
3. Carter, Felicity. Wine and Health: Challenging the 'No Safe Level' Claims. Meininger’s International, 2023. Meininger's International
4. Datafolha. Metade (49%) dos brasileiros consome bebidas alcoólicas. Beverage Industry+23Datafolha+23VEJA RIO+23
5. NielsenIQ. NIQ BevAl Non-Alcohol September 2023 Summary Version. NIQ
6. Folha de S. Paulo Sobriedade ganha espaço e desafia indústria e bares a reiventar o consumo, maio 2025
7. IWSR. IWSR preliminary data highlights growth spots despite another tough year in 2024. Beverage Industry+2IWSR+2IWSR+2
8. GBD 2016 Risk Factors Collaborators. Alcohol use and burden for 195 countries and territories, 1990–2016: a systematic analysis for the Global Burden of Disease Study 2016. The Lancet, 2018. PubMed+2The Lancet+2The Lancet+2
9. UNESCO. Mediterranean diet. UNESCO ICH
10. Organização Mundial da Saúde (OMS). Álcool - OPAS/OMS | Organização Pan-Americana da Saúde. Pan American Health Organization
11. Vinexposium. Vinexpo America – Relatório de tendências de mercado 2025. Meininger's International
12. Martinez-Gonzalez, Miguel. Estudos e ensaio clínico sobre os impactos do vinho na saúde. Universidade de Navarra; Universidade de Harvard, desde dez. 2023.
Foto de capa: Errazuriz Wine Photographer of the Year - 3º Lugar - Claudia Albisser Hund,France
Old Vine
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Se na Grécia antiga, a bebida era considerada uma dádiva dos deuses ou se os soldados romanos sabiam que era melhor beber vinho e não água no campo de batalha, agora a pergunta é: o vinho é saudável ou prejudicial à saúde?