Será que agora vai?

O novo mapa do vinho com o acordo Mercosul-União Europeia

Desde 1999, Mercosul e União Europeia discutem um acordo de livre comércio que tem, como uma das principais medidas práticas, zerar as taxas de importação entre os dois blocos econômicos em oito anos. No caso dos vinhos, isso significa que, se o acordo for assinado no início do ano que vem, o imposto de importação de 27% vai ser reduzido ano a ano até deixar de existir em 2033, tornando bem mais atrativo o preço dos rótulos europeus por aqui e, muito provavelmente mudando a correlação de forças dos vinhos importados no mercado brasileiro.

Desde 2003, o Chile lidera o ranking da importação de vinhos para o Brasil.  É seguido pela Argentina e por Portugal, países que se revezam entre a segunda e terceira posição nos últimos anos. O cenário brasileiro é bem diferente da correlação de forças entre os grandes produtores de vinho nos demais mercados. De acordo com o último relatório da Organização Internacional da Uva e do Vinho, que reúne mais de 50 países produtores de vinho, a Itália é o maior produtor, seguido pela França e pela Espanha. São países gigantes na produção e também na exportação de vinhos, mas, por aqui nenhum deles chega a 10% de participação no nosso mercado, que no ano passado atingiu o valor de importação de US$ 518 milhões, segundo a consultoria IdealBI.

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Europa mira o Brasil e intensifica a sua presença

Os europeus sentiram na pele a necessidade urgente de diversificar as suas vendas externas. No início de 2025, o presidente norte-americano definiu uma alíquota de 50% para os vinhos europeus. Com as negociações, entrou em vigor uma tarifa de 15%. Mas a pressão foi sentida. “A ameaça das tarifas americanas fez os países entenderem que um acordo de livre comercio é o melhor para os dois blocos”, afirma Adilson Carvalhal Júnior, diretor da importadora Casa Flora e presidente da Associação Brasileira de Importadores e Exportadores de Bebidas e Alimentos, a BFBA.

"A ameaça das tarifas americanas fez os países entenderem que um acordo de livre comercio é o melhor para os dois blocos."

Adilson Carvalhal Júnior, diretor da importadora Casa Flora e presidente da Associação Brasileira de Importadores e Exportadores de Bebidas e Alimentos, a BFBA

E não demorou para que o Brasil entrasse na mira da Europa. Além da necessidade de diversificar destinos, o Brasil aparece aos olhos do mundo como um dos poucos países que registra crescimento no consumo de brancos e tintos, na contramão das tendências mundiais, e com baixo consumo per capita, na faixa de dois litros por habitante por ano. “Temos plena consciência de que uma redução tarifária tornará os mercados do Mercosul – e em especial o Brasil – ainda mais atrativos para produtores europeus”, afirma Frederico Falcão, presidente da ViniPortugal.

A estimativa é que zerar o imposto de importação traga uma redução de 19% no preço final do vinho europeu importado. O cálculo é de Felipe Galtaroça, CEO da Ideal.BI. A redução é menor do que os 27% do imposto de importação porque tem o efeito cascata na cobrança dos demais impostos, como o ICMS, que incidem sobre o valor total do vinho importado. A redução pode não ser exatamente esta e depende do cálculo de cada empresa importadora, mas será relevante. Carvalhal, da BFBA, destaca que a reforma tributária, atualmente em discussão no Brasil, pode mudar o tamanho desta redução de preços. O cálculo dos importadores é que nos primeiros dois ou três anos o impacto será menor, até porque a queda de impostos ainda será pequena, pela proposta de redução escalonada.  

“Temos plena consciência de que uma redução tarifária tornará os mercados do Mercosul – e em especial o Brasil – ainda mais atrativos para produtores europeus.”

Frederico Falcão, presidente da ViniPortugal

Mas o fato é que os países já estão se organizando para o novo tabuleiro de xadrez que se desenhará com o acordo de livre comércio. Antony Martins, CEO do Grupo Víssimo, que engloba as importadoras Grand Cru e Evino, por exemplo, acredita que os países da América do Sul e, não necessariamente o Brasil, serão os maiores prejudicados. “Portugal e Espanha devem conseguir competir com os vinhos chilenos, principalmente, e argentinos em uma faixa que nem o Brasil consegue competir”, avalia ele. Atualmente, o mix de rótulos da Grand Cru é formado por 60% de produtos europeus e 40% de sul-americanos e, na Evino, a proporção se inverte. Para ele, ainda é cedo para calcular como será a mudança de mix de origem de seus vinhos antes de o acordo ser realmente assinado. “Mas temos o nosso portfolio já desenhado para esse momento”, revela.

Portugal, por sua vez, está investindo para manter sua liderança entre os rótulos europeus por aqui. “O Brasil será, em 2026, o mercado com maior investimento por parte dos Vinhos de Portugal. Manteremos uma presença robusta nas principais feiras e eventos do setor, continuaremos a realizar os eventos Vinhos de Portugal, promoveremos degustações em diversas cidades brasileiras e intensificaremos ações promocionais em supermercados e adegas e reforçaremos os programas de formação e qualificação”, explica Falcão.

O italiano Marco Sabellico, editor-chefe do Gambero Rosso, principal publicação sobre vinhos italianos, aproveitou sua vinda ao Brasil no final de novembro para entender melhor o mercado local. A viagem integrou o road show anual que o Gambero Rosso realiza pelo mundo. Porém, Sabellico não se limitou a apresentar os vinhos com tre bicchieri, a pontuação máxima do guia: ele também buscou colher informações sobre o mercado brasileiro. “O interesse de nossos produtores pelo Brasil é crescente”, afirma, após liderar as degustações do Gambero Rosso em São Paulo. Dos 59 expositores presentes, 14 estavam à procura de importadores. As perguntas que direcionou ao público giravam em torno de como ampliar o consumo de vinhos no país e de que forma a gastronomia italiana — amplamente consumida, sobretudo nos estados do Sul e Sudeste — pode ajudar a impulsionar a presença dos vinhos italianos no Brasil.

“O interesse de nossos produtores italianos pelo Brasil é crescente.”

Marco Sabellico, editor-chefe do Gambero Rosso


A resposta sul-americana: defesa de mercado e reposicionamento

O movimento dos players europeus deve ser rebatido pelos sul-americanos, que atualmente dominam o mercado de vinhos importados por aqui. Chile, Argentina e Uruguai têm, juntos, uma parcela de 62,8% do mercado, nos dados da Ideal.BI. São países que terão não apenas de defender os seus mercados internos da concorrência europeia, como garantir a sua presença no Brasil, que é o principal destino para os seus vinhos.

“Nossa previsão é de investirmos 20% a mais no mercado brasileiro em 2026.”

Angelica Valenzuela, diretora Comercial Wines of Chile

No Chile, a decisão é aumentar os investimentos no mercado brasileiro. “Estamos definindo nosso orçamento, mas a previsão é investirmos 20% mais em 2026 do que em 2025”, afirma Angelica Valenzuela, diretora comercial da Wines of Chile. “Nosso plano é ficar ainda mais perto dos consumidores brasileiros e apoiar os nossos distribuidores”, afirma ela. Ela acredita que a chegada de investimentos dos demais países deve ser positivo para o mercado, no médio e longo prazo, na medida em que amplia a oferta e a cultura de vinhos. “Mais vinhos vão entrar no Brasil e esse movimento vai ajudar a crescer e desenvolver o mercado”, acrescenta a executiva.

A Argentina analisa o acordo também como um desafio. “A indústria vinícola argentina vê o acordo como uma oportunidade estratégica e um desafio competitivo. A eliminação gradual das tarifas gerará maior concorrência no mercado interno argentino e no Brasil, que é o segundo maior destino das exportações de vinho argentino”, analisa Magdalena Pesce, CEO da Wines of Argentina.

No cargo desde janeiro de 2021, quando se tornou a primeira mulher a assumir o posto, ela diz que a estratégia é focar na diferenciação e no valor dos brancos e tintos do país. “Nossa nova estratégia global de comunicação, ‘O Vinho para Agora’, está ancorada nos pilares de identidade, proximidade e personalização. Isso significa que competiremos por meio da singularidade de nossos terroirs e com foco no segmento premium, uma área que se mostrou mais resiliente às flutuações econômicas”, acrescenta ela.

“A indústria vinícola argentina vê o acordo como uma oportunidade estratégica e um desafio competitivo. A eliminação gradual das tarifas gerará maior concorrência no mercado interno argentino e no Brasil, que é o segundo maior destino das exportações de vinho argentino.”

Magdalena Pesce, CEO da Wines of Argentina.

Ou seja: a estratégia definida é focar nas bebidas de maior valor. Um exemplo, diz Magdalena, é que a importação de vinhos argentinos com preços entre US$ 60 e US$ 84, registra um crescimento de 8,79%, acima da média das demais faixas de preço. “Nosso desafio não será tanto evitar a concorrência, mas sim manter e aprofundar a conexão emocional e a identidade de nossos vinhos para não sermos deslocados nos segmentos de valor pelos concorrentes europeus.”


O papel do Brasil e o novo cenário competitivo

Para os produtores brasileiros, a aposta na premiunização dos rótulos importados pode ser vista como positiva, na medida em que a disputa pelo consumidor se daria pela qualidade e não pela guerra de preço. Por aqui, percebendo a iminência do acordo, os produtores brasileiros focam a sua estratégia em obter do governo medidas que tragam maior competitividade aos brancos e tintos nacionais. “A gente só precisa de competitividade”, resume Daniel Panizzi, diretor da vinícola Giovanni e presidente da União Brasileira de Vitivinicultura, a Uvibra.

“Na Itália, o vinho é patrimônio cultural, na Espanha, é alimento. Assim como estes países, precisamos proteger o setor do vinho brasileiro.”

Daniel Panizzi, diretor da vinícola Giovanni e presidente da União Brasileira de Vitivinicultura, a Uvibra

A batalha dos produtores, segundo Panizzi, é de obter recursos para tornar a produção nacional mais competitiva, como o fomento da produção, e também com incentivos nos impostos, como bem faz o governo francês. Nos cálculos da Uvibra, o imposto federal e o estadual previstos no atual projeto de reforma tributária vão significar, juntos, 28,5% do preço do vinho. “Na Itália, o vinho é patrimônio cultural, na Espanha, é alimento. Assim como estes países, precisamos proteger o setor do vinho brasileiro”, afirma o executivo.

 Assim como um jogo de xadrez, o tabuleiro do vinho está montado, a espera do início do jogo, ou seja, da assinatura do acordo de livre comércio. E sabe-se que a partida deve começar em breve.


 Para saber mais: 

1. OIV State of the World Vine and Wine Sector in 2024. Estudo da OIV com um panorama da produção e consumo de vinhos 2m 2024. OIV

2. ViniPortugal

3. Wines of Chile

4. Wines of Argentina

5. Gambero Rosso


Foto de capa: EU flag by Christian Lue on unsplash


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