O vinho branco venceu
O consumo de vinhos brancos se tornou realidade, não é mais moda ou tendência
Parafraseando a trilogia de cores do diretor polonês Krzysztof Kieslowski — A Liberdade é Azul, A Fraternidade é Vermelha e, principalmente, A Igualdade é Branca — pode-se afirmar que o vinho também é branco. Por mais que nenhum vinho seja realmente branco, mas traduza uma ampla paleta de cores que vai dos reflexos verdeais até o amarelo quase dourado. É a classificação branco, porém, que vem se destacando no pantone do deus pagão Baco, animando produtores que cultivam variedades como chardonnay, viognier, pinot grigio ou verdelho — e dificultando a vida de quem sempre apostou apenas nas tintas.
Crédito da foto: Paolo Grinza.
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Estudo da OIV indica avanço global dos brancos
O ânimo dos viticultores que se dedicam aos brancos encontra eco em um amplo documento preparado pelo departamento de estatísticas da Organização Internacional da Vinha e do Vinho (OIV), que mostra a revolução do consumo de brancos entre 2000 e 2021. Em 2021, a produção mundial de vinhos brancos chegou a 130 milhões de hectolitros, o que representa 50% da produção total. Já os tintos ficaram em 110 milhões (42%), e os 8% restantes rosé. Mais do que liderança, o relatório confirma a tendência: desde 2004, a produção de tintos caiu 25%, enquanto a de brancos cresceu 13% desde 2002.
Em um dos gráficos do estudo, aparecem os países com maior proporção de elaboração de vinhos brancos. A Nova Zelândia lidera (89,6%), seguida pela Inglaterra devido aos vinhos base de espumante (85,5%) e pela Hungria (71,8%). Esses produtores têm sorte — elaboram o estilo em alta —, mas pouco espaço para crescer. Já países como China, Brasil e Argentina, líderes na produção proporcional de tintos (86%, 73% e 66%, respectivamente), têm um potencial enorme para expandir sua produção de brancos. No caso brasileiro, ainda há o argumento climático e gastronômico: o país tropical combina melhor com vinhos menos alcoólicos e mais frutados e florais.
Ranking de países com maior proporção da sua produção de vinhos brancos, liderados pela Nova Zelândia, Reino Unido e Hungria.
Fonte: OIV 2023
Brasil, juntamente com China, Argentina e Chile estão entre os países com maior proporção da sua produção nacional de vinhos tintos.
Fonte: OIV 2023
Produtores se ajustam para acompanhar o mercado
Viviana Navarette, enóloga da Viña Leyda. (foto: divulgação)
“Temos notado um aumento constante e um interesse crescente pelos vinhos brancos”, afirma a chilena Viviana Navarette, principal enóloga da Viña Leyda, no Chile. “Nos últimos anos, temos aumentado o plantio de chardonnay e sauvignon blanc, mas vemos a necessidade de ampliar ainda mais o sauvignon.” Hoje, a variedade já ocupa mais da metade dos 68,48 hectares de vinhedos da vinícola — 36,8 hectares de sauvignon, 18,3 de chardonnay, 9 de sauvignon gris e 4,2 de riesling.
Do outro lado do Atlântico, o enólogo Francisco Figueiredo, da Adega Regional de Colares, em Lisboa, confirma o mesmo movimento: “os consumidores estão procurando mais o vinho branco, e os produtores estão optando por plantar variedades brancas”. Em Colares, a vantagem é dupla — o branco de malvasia de Colares chega ao mercado dois anos antes do tinto referência, feito com a tânica ramisco.
Outro exemplo vem da Argentina continental, sem influência marítima. Sebastián Zuccardi, terceira geração da família no vinho, mostrou em visita ao Brasil que a terra do malbec também produz brancos de precisão. “Demoramos para focar nos brancos”, reconhece Zuccardi.
A força dos brancos no mercado brasileiro
E, aqui no Brasil, mais um ponto para os brancos. Somos, segundo a pesquisa IWSR Brazil Wine Landscapes 2025, uma população aberta a novidades: 70% dos brasileiros gostam de provar novas origens e variedades com frequência — incluindo as brancas. Isso abre espaço para cepas como viognier, alvarinho e fiano, diversificando um mercado ainda dominado por sauvignon blanc e chardonnay.
Um dos primeiros sinais do interesse brasileiro surgiu na pandemia: desapareceram dos estoques as garrafas de chablis, o chardonnay mineral da França. A procura segue forte. Em 2024, segundo o Bureau Interprofessionnel des Vins de Bourgogne (BIVB), os brancos lideraram o interesse pelos vinhos da região, com destaque para chablis e petit chablis. As importações brasileiras de Borgonha cresceram 17,5% em volume e 21,8% em valor sobre 2023, somando 8,5 milhões de euros — e com maior valorização, sinal de busca por produtos premium.
Os dados da Ideal BI confirmam a consolidação da tendência. Em 2020, os brancos representavam 20% do mercado, os rosés 7% e os tintos 73%. Em 2024, os brancos chegaram a 26%, os rosés a 8% e os tintos caíram para 66%. “É muito evidente o interesse crescente pelos brancos”, diz Felipe Galtaroça, CEO da consultoria. Segundo a consultoria de inteligência de dados de varejo Scanntech, os brancos já respondem por 21% do faturamento do comércio de vinho no Brasil.
A procura ocorre em todas as faixas de preço. No segmento de até R$ 60, os brancos já representam quase um terço do mercado, segundo a Ideal BI. Isso também reflete a melhora da qualidade: o controle de temperatura e técnicas modernas eliminaram o amargor dos vinhos simples. O resultado são brancos frutados e florais, bem elaborados em todas as faixas de preço. Além disso, o teor alcoólico mais baixo os coloca em sintonia com as novas gerações, que buscam leveza e equilíbrio no consumo.
Ou, como resume Viviana, da Viña Leyda: “há uma tendência clara — os consumidores buscam vinhos mais frescos, versáteis e de estilos mais ligeiros”.
O enólogo português Tiago Alves de Sousa, responsável pelos vinhos da família e pelo projeto Menin, no Douro, compartilha a visão: “O Brasil é o local onde mais se sente essa dinâmica, de ver crescer uma categoria que antes tinha pouca expressão.” Mas ele alerta: “As modas têm o seu revés. Antes o branco não vendia, e arrancamos vinhas. Agora, corremos atrás do prejuízo — há locais fantásticos para brancos no Douro.”
Produção, desafios e consolidação da tendência
A ordem agora é produzir mais. Plantar ou replantar vinhas exige tempo e planejamento. A videira precisa de anos para alcançar qualidade, e o desafio começa na escolha dos terroirs adequados — muitos deles antes ignorados. “Estamos surpresos com o desempenho da chardonnay em vinhedos nas montanhas”, comenta Zuccardi.
O reconhecimento do potencial dessa variedade deve muito a Nicolás Catena, que apostou na chardonnay no vinhedo Adrianna, a quase 1.500 metros de altitude. Mas há muitas outras variedades brancas prontas para surpreender em novos terroirs — não apenas na Cordilheira dos Andes.
Aos produtores, cabe plantar. O relatório da OIV mostra o crescimento global das áreas de uvas brancas. O Chile lidera, quase triplicando seu plantio entre 2000-2004 e 2017-2021, seguido por Estados Unidos (+39,6%), Itália (+17,9%), África do Sul (+16,1%) e Austrália (+8,8%).
Ou seja, o mundo se voltou — ou se rendeu — aos brancos. O mercado deixou de tratá-lo como modismo e passou a enxergá-lo como realidade consolidada. Os números comprovam: cresce a produção, o consumo e o interesse por estilos mais frescos e leves. Cabe agora aos produtores acompanhar esse movimento com qualidade e consistência.
Para saber mais:
1. Evolution of World Wine Production and Consumption by colour. Estudo da OIV com um panorama da produção e consumo de vinhos por tipo. OIV 2023
2. Beyond the Label: Take a Closer Look at Bourgogne Wines. Campanha de vinhos da Borgonha no Brasil reportando dados de vendas recordes no país em 2024. Press release Maio 2025
3. New Zealand Winegrowers Vintage Report 2023. Acesso ao relatório
4. Silicon Valley State of the Wine Industry Report 2024. Relatório do banco norte-americano destaca o desempenho positivo dos vinhos brancos nos EUA. Acesso ao press release
Foto de capa: White Wine Glass de Andy Grimshaw, World Food Photography Awards.
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Parafraseando a trilogia de cores do diretor polonês Krzysztof Kieslowski — A Liberdade é Azul, A Fraternidade é Vermelha e, principalmente, A Igualdade é Branca — pode-se afirmar que o vinho também é branco. . É a classificação branco, porém, que vem se destacando no pantone do deus pagão Baco, animando produtores.