Saiba como o crescimento dos vinhos brasileiros em 2020 impactou os negócios de micro produtores no Sul do país

Diante da alta do Dólar e dos obstáculos à importação gerados pela pandemia do Coronavírus, o setor nacional de vinhos teve em 2020 o seu melhor momento de competitividade no mercado brasileiro. Estes mesmos fatores também trouxeram dificuldades evidentes para os produtores nacionais, incluindo a interrupção das atividades de enoturismo e o fechamento de bares, restaurantes e outros estabelecimentos de consumo fora do lar, além do encarecimento e da escassez de insumos importados – como garrafas, rolhas, rótulos e papelão.

O volume de vinhos finos nacionais no mercado brasileiro cresceu 106% entre janeiro e setembro de 2020, na comparação com 2019.

No entanto, o saldo final é claramente favorável ao setor: de acordo com dados da Ideal Consulting, o volume de vinhos finos nacionais no mercado brasileiro cresceu 106% entre janeiro e setembro de 2020, na comparação com o ano anterior. Na prática, isso significa que ao longo do ano o consumidor viu crescer a oferta de vinhos finos brasileiros nas gôndolas dos supermercados, nas lojas e nos e-commerces; significa também que mais brasileiros estão provando os vinhos nacionais e que a resistência ao produto provavelmente nunca esteve menor.

Fonte: Ideal Consulting, Uvibra, valores aproximados; publicado no relatório Brazil Wine Landscapes 2021 da Wine Intelligence.

Fonte: Ideal Consulting, Uvibra, valores aproximados; publicado no relatório Brazil Wine Landscapes 2021 da Wine Intelligence.

Soma-se a estas tendências positivas o expressivo crescimento da base de consumidores regulares de vinho, que aumentou em 3 milhões de pessoas entre 2019 e 2020 de acordo com o relatório Brazil Wine Landscapes, recém publicado pela Wine Intelligence (saiba mais). Por fim, a ampla divulgação na imprensa sobre as recentes safras de excelente qualidade no Sul do Brasil, com destaque para a de 2020, também contribuiu para o fortalecimento da imagem dos vinhos nacionais.

Enquanto os resultados de 2020 impactaram positivamente o balanço das principais vinícolas do país, até que ponto os pequenos produtores também se beneficiaram do bom desempenho do setor? Na terceira reportagem da série Direto da Fonte, conversamos com 4 pequenas vinícolas brasileiras para saber se os enormes desafios da pandemia foram de alguma forma compensados pelo crescimento geral do mercado de vinhos brasileiros. Direto do Rio Grande do Sul, compartilhamos a experiência da Bodega Ruiz Gastaldo e da Vinícola Cão Perdigueiro. De Santa Catarina, contamos um pouco sobre a jornada das vinícolas Casa Lippi e Cata Terroirs.

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Bodega Ruiz Gastaldo: vinícola urbana no coração de Porto Alegre

Localizada em plena Porto Alegre, próxima a um dos maiores shoppings centers da capital, a Bodega Ruiz Gastaldo é a primeira vinícola urbana da cidade – um modelo de negócio que já se consolidou em mercados maduros como nos Estados Unidos. Trazendo uma paixão familiar pelo vinho, o casal Eduardo e Camila Gastaldo iniciaram o empreendimento em 2016 e, desde então, vinificaram quatro safras de diversas uvas e origens. Distantes dos vinhedos da Serra e da Campanha Gaúcha, não por isso eles ficam para trás em inovação e qualidade comparado aos grandes produtores nacionais.

Como a maioria dos pequenos e micro produtores brasileiros, a bodega não possui funcionários fixos. Conta apenas com a ajuda de terceiros durante a fase de recebimento das uvas. O trabalho manual exige muita atenção, principalmente na seleção dos cachos e grãos antes da vinificação.

Com a chegada da pandemia em março, paramos com todos os atendimentos de forma pessoal e prezamos pela segurança de todos os nossos clientes e pessoas envolvidas com a vinícola. Temos um projeto bem estruturado e continuaremos oferecendo pequenas produções diferencidas em termos de processo de elaboração e matéria prima.
— Ruiz Gastaldo, Proprietário

A produção é pequena, mas focada na qualidade das uvas e dos processos de elaboração e vinificação. O casal busca manter uma relação muito próxima com os seus consumidores, dedicando-se a trazer novidades a cada safra. Este ano, por exemplo, lançaram um espumante rosé com mais de 24 meses de autólise, elaborado pelo método tradicional, que homenageia o bairro onde a vinícola está localizada, a Chácara das Pedras.

Apesar de não possuir vinhedos próprios, a Bodega Ruiz Gastaldo não descarta a possibilidade no médio ou longo prazo. Destacam que, por outro lado, contam com a vantagem escolher uvas de diferentes terroirs, de acordo com os parceiros e o resultado de cada safra. Desde 2017, já produziram vinhos espumantes, tintos, brancos e rosés utilizando diferentes variedades de uva trazidas de Caxias do Sul, Campos de Cima da Serra e Encruzilhada do Sul.

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Com mais de 24 meses sur lie, o espumante da Bodega Ruiz Gastaldo homenageia o bairro onde está localizada a vinícola, em Porto Alegre (foto: Ruiz Gastaldo).

Com mais de 24 meses sur lie, o espumante da Bodega Ruiz Gastaldo homenageia o bairro onde está localizada a vinícola, em Porto Alegre (foto: Ruiz Gastaldo).

 

Cão Perdigueiro: o projeto de um caçador de uvas

Depois de anos como enólogo e consultor para vinícolas nacionais, Arlindo Menoncin decidiu explorar as diversas regiões do Rio Grande do Sul em busca de uvas para elaborar os seus próprios vinhos. Inspirado nesta “caçada”, ele batizou o projeto de Cão Perdigueiro, idealizado inicialmente para compartilhar com amigos e familiares. Em 2017, a vinícola teve a sua primeira produção em escala comercial, com pouco mais de 1.250 garrafas de seu Cabernet Sauvignon e Chardonnay.

Hoje em sua terceira safra e com milhares de garrafas produzidas e rotuladas manualmente com as ilustrações do cão perdigueiro, os vinhos de Menoncin são distribuídos em diversos estados brasileiros, com o apoio de embaixadores regionais. Apesar de não contar com vinhedos próprios, ele enxerga de forma positiva a liberdade de produzir vinhos de diferentes uvas e origens a cada safra.

Este ano começou muito bem, tivemos uma queda drástica entre março e abril e depois retomamos o rumo. O custo dos insumos está complicando ainda mais a pequena produção, mas sabemos onde queremos chegar e seguiremos sendo pequenos, relevantes e entregando bons vinhos de uvas encantadoras.
— Arlindo Menoncin, Proprietário

Com as várias amizades que estabeleceu ao longo da carreira de enólogo e consultor, Menoncin pode contar com o apoio destes parceiros para vinificar os seus vinhos. Por isso, ele afirma que pretende manter o negócio pequeno e sem funcionários fixos, o que reduz os seus custos e permite oferecer vinhos melhores a preços mais competitivos.

Por outro lado, Menoncin comenta que uma operação pequena traz grandes desafios, em particular com as regras do mercado na compra de insumos. Como exemplo, cita a obrigatoriedade mínima de 2.500 unidades para os pedidos de garrafas de vinho, quando a sua produção anual precisaria apenas de aproximadamente 800 unidades. Mesmo podendo utilizar as garrafas posteriormente, esta exigência gera a descapitalização dos pequenos produtores, conclui ele.

Saiba mais sobre a Vinícola Cão Perdigueiro no Instagram.

Com a ilustração do cão perdiguero e uvas inovadoras, os vinhos de Arlindo Menoncin ganharam admiradores em todo o Brasil (foto: ta.na.taca).

Com a ilustração do cão perdiguero e uvas inovadoras, os vinhos de Arlindo Menoncin ganharam admiradores em todo o Brasil (foto: ta.na.taca).

 

Casa Lippi: vinhos de garagem em Florianópolis  

Nascido em uma família italiana e acostumado a ter vinhos em todas as refeições, o executivo Juarez Lippi deu início a uma produção própria de vinhos artesanais em Florianópolis.  A ideia surgiu em 2015, quando foi visitar uma vinícola catarinense que não possuía vinhedos próprios, dando-se conta de que não precisaria de terras para realizar o sonho de produzir os próprios vinhos.

Toda crise traz consigo novas oportunidades e estamos aprendendo na Casa Lippi a lidar com este novo momento. Precisamos ter cursos não presenciais de enologia no Brasil, bem como regras menos burocraticas para a instauração de novos projetos vitivinícolas. Seguiremos criando novos rótulos como pequenos produtores e sempre inovando e buscando adaptações no enoturismo.
— Juarez Lippi, Proprietário

O projeto começou como um hobby na dispensa de casa, mas logo foi ganhando escala. Para atender às exigências regulatórias e comercializar os seus vinhos, Lippi se mudou do bairro do Jurerê para o Sambaqui, onde estabeleceu a sua “vinícola de garagem”, a Casa Lippi. Aumentar a produção é um processo desafiador e Lippi segue modernizando a sua infraestrutura e adaptando-se a legislação para ampliar a sua oferta, mantendo uma produção pequena. Com quatro safras desde 2016, a Casa Lippi segue realizando a rotulagem manual de cada garrafa.

Segundo Lippi, o enoturismo tem um papel fundamental no seu negócio. Para ele, vinhos diferenciados que possam harmonizar com a culinária típica da Ilha serão fundamentais para atrair mais visitantes, numa cidade que é reconhecida por suas grandes fazendas de ostras.

Saiba mais sobre a Casa Lippi pelo site e no Instargram.

Com vista para o mar, a Casa Lippi produz vinhos no bairro do Sambaqui, em Florianópolis, em pequena escala e sempre buscando inovação (foto: Casa Lippi).

Com vista para o mar, a Casa Lippi produz vinhos no bairro do Sambaqui, em Florianópolis, em pequena escala e sempre buscando inovação (foto: Casa Lippi).


Cata Terroirs: vinhos de altitude da Serra Catarinense

O projeto Cata Terroirs surgiu quando dois amigos decidiram que sua paixão comum pelo mundo do vinho poderia ser aprimorada com a elaboração de novos produtos. O enólogo Eduardo Strechar já havia viajado e trabalhado em reconhecidas regiões produtoras da Austrália, da Itália e do Chile, trazendo ao projeto uma enorme bagagem cultural e técnica na produção de vinhos finos. De volta a Santa Catarina no final de 2015, juntou-se ao amigo, o médico André Marchiori, com o objetivo de inovar principalmente na elaboração de vinhos brancos, que poderiam harmonizar perfeitamente com os frutos do mar típicos do seu estado.

Nossa bagagem de viagens e conhecimento do mercado nos ajudou a definir exatamente o tamanho e tipo de projeto que desenhamos para a Cata Terroirs. Seguiremos buscando matéria prima diferenciada, usando técnicas tradicionais de vinificação e entregaremos sempre vinhos de excelente qualidade aos nossos clientes.
— Eduardo Strechar, Sócio-Proprietário

Dando início projeto em 2018, os sócios precisaram se dedicar a encontrar as melhores uvas e fechar parcerias de fornecimento duradouras. Tarefa relativamente fácil, pois Eduardo já prestava consultoria a grandes vinícolas. Com a ambição de dar um toque pessoal nos seus vinhos, ele encontrou junto a André o incentivo final para montar um projeto inovador em busca da melhor expressão de terroirs extremos, produzindo vinhos com uvas cultivadas nas altitudes da Serra Catarinense. Com a primeira safra em 2019, a Cata Terroirs produziu 6 mil garrafas de vinhos tintos e brancos, incluindo dois Chardonnays e um Sauvignon Blanc dos vinhedos de São Joaquim, Urubici e Urupema, cultivados a mais de 1.100 metros acima do mar.

Como conta Eduardo, as primeiras garrafas começaram a ser vendidas em março de 2020, quando as medidas de distanciamento social já estavam em vigor. Por terem iniciado a operação já durante a pandemia e com uma produção pequena, ele afirma que não sentiram os efeitos negativos da quarentena como outros produtores e que, pelo contrário, os vinhos têm sido bem recebidos pelo mercado e pelos consumidores.

Saiba mais sobre a Cata Terroirs pelo site, no Facebook e no Instagram.

O projeto Cata Terroirs produz vinhos brancos diferenciados nas altitudes da Serra Catarinense, ideais para acompanhar frutos do mar (foto: Cata Terroirs).

O projeto Cata Terroirs produz vinhos brancos diferenciados nas altitudes da Serra Catarinense, ideais para acompanhar frutos do mar (foto: Cata Terroirs).

Apesar do substancial avanço, o fato é que o vinho brasileiro tem um longo caminho pela frente. Em termos globais, a produção brasileira de vinhos é a 17ª em volume, atrás de Áustria, Hungria e Ucrânia segundo os dados mais recentes da OIV. Mesmo com o recente crescimento, os vinhos finos nacionais ainda representam 7% do consumo no país, atrás dos 32% ocupados pelos importados e dos 65% pelos vinhos brasileiros de mesa, de acordo com a Ideal Consulting. O cenário é mais promissor para os espumantes brasileiros que, segundo a Ideal, chegaram a setembro de 2020 com 79% de participação no nosso mercado.

Resta saber o que o período pós-pandemia trará para o mercado de vinhos brasileiros e de que forma os nossos consumidores seguirão dispostos a explorar e experimentar. Principalmente para os pequenos produtores, a continuidade do crescimento também dependerá da melhoria do ambiente regulatório e das condições de competitividade no país, para que os seus produtos tenham a chance de sair de um nicho para mercados consumidores mais abrangentes.   

Saiba mais sobre o Brazil Wine Landscapes 2021 no site da Wine Intelligence.

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Foto de capa: Lambros Lyrarakis on Unsplash